quinta-feira, 6 de março de 2014

Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recurso repetitivo decide que é abusiva a cláusula contratual que obrigue, na hipótese de resolução, a restituição das parcelas pagas somente ao fim da obra ou em parcelas

Prezados:


Há muito tempo se fala no direito do consumidor de se retirar da relação contratual sem sofrer penalidades desarrazoadas ou excessivas. É neste sentido a garantia contida no caput do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que reputa nulas as "cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado". Costuma-se denominar tal disposição contratual que impõe a perda de todas as parcelas pagas nestas circunstâncias de "cláusula de perda total", que é reputada como uma declaração de vontade em desacordo com o sistema legal de proteção e defesa do consumidor. Apesar desta disposição legal  constar do Código de Defesa do Consumidor há mais de duas décadas, muitos fornecedores ainda insistem em fazer constar dos instrumentos contratuais tais cláusulas evidentemente abusivas. 
Contudo, tal disposição legal não sana todas as dúvidas em relação ao direito de retirada do consumidor e seus desdobramentos. Pode-se até mesmo dizer: "Ok! O consumidor tem o direito à restituição de valores já pagos caso em caso de resolução. Mas, o fornecedor pode fixar que esta restituição só ocorrerá após a conclusão da obra, ou em parcelas?" A princípio, parece não existir proibição expressa para que se estipule cláusula neste sentido, mas se pode haurir uma solução a partir das regras do sistema de proteção e defesa do consumidor. Isto porque, sem sombra de dúvida, trata-se de disposição que termina por criar um obstáculo desnecessário para o exercício do direito ao reembolso pelo consumidor, além de se constituir em uma situação que coloca o consumidor em desvantagem exagerada; o que termina por caracterizar tal cláusula como abusiva, nos termos dos incisos II e IV do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. Foi neste sentido que decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento de recurso repetitivo, como se pode ler do texto extraído do sítio eletrônico do STJ:

"DIREITO DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao CDC, é abusiva a cláusula contratual que determine, no caso de resolução, a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, independentemente de qual das partes tenha dado causa ao fim do negócio. De fato, a despeito da inexistência literal de dispositivo que imponha a devolução imediata do que é devido pelo promitente vendedor de imóvel, inegável que o CDC optou por fórmulas abertas para a nunciação das chamadas "práticas abusivas" e "cláusulas abusivas", lançando mão de um rol meramente exemplificativo para descrevê-las (arts. 39 e 51). Nessa linha, a jurisprudência do STJ vem proclamando serem abusivas situações como a ora em análise, por ofensa ao art. 51, II e IV, do CDC, haja vista que poderá o promitente vendedor, uma vez mais, revender o imóvel a terceiros e, a um só tempo, auferir vantagem com os valores retidos, além da própria valorização do imóvel, como normalmente acontece. Se bem analisada, a referida cláusula parece abusiva mesmo no âmbito do direito comum, porquanto, desde o CC/1916 – que foi reafirmado pelo CC/2002 –, são ilícitas as cláusulas puramente potestativas, assim entendidas aquelas que sujeitam a pactuação "ao puro arbítrio de uma das partes" (art. 115 do CC/1916 e art. 122 do CC/2002). Ademais, em hipóteses como esta, revela-se evidente potestatividade, o que é considerado abusivo tanto pelo art. 51, IX, do CDC quanto pelo art. 122 do CC/2002. A questão relativa à culpa pelo desfazimento da pactuação resolve-se na calibragem do valor a ser restituído ao comprador, não pela forma ou prazo de devolução. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC: “Em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.” Precedentes citados: AgRg no Ag 866.542-SC, Terceira Turma, DJe 11/12/2012; REsp 633.793-SC, Terceira Turma, DJ 27/6/2005; e AgRg no  REsp 997.956-SC, Quarta Turma, DJe 02/8/2012. REsp 1.300.418-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/11/2013. Fonte: Informativo de Jurisprudência do STJ (nº 533, período: 12/02/2014).

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