sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Para as turmas de direito dos contratos - O problema da lei aplicável ao contrato, ou do lugar da celebração do contrato

Prezados:

Já fizemos considerações em sala de aula sobre a questão do lugar da celebração do contrato. O Código Civil vigente permite a estipulação de cláusula de eleição de fora, ou de fixação do domicílio contratual; como se pode ver na regra do artigo 78 do mencionado diploma normativo: "Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes". Também é neste sentido o enunicado n. 335 da Súmula de Jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal: "É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato". Em relações marcadas pela vulnerabilidade de uma das partes frente a outra, como a que se verifica entre consumidor e fornecedor; a estipulação de tal cláusula de eleição de foro pode ser reputada abusiva e, portanto, ilícita. Isto porque a adoção de tal cláusula pode resultar na oneração do consumidor de tal forma que o impeça, ou dificulte a defesa em juízo de seus direitos. Neste caso, o poder judiciário vem entendendo pela abusividade deste tipo de cláusula, como se pode verificar no seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: 
"RECURSO ESPECIAL - CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO, INSERIDO EM CONTRATO DE ADESÃO, SUBJACENTE À RELAÇÃO DE CONSUMO - COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR, NA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA - PRECEDENTES - AFERIÇÃO, NO CASO CONCRETO, QUE O FORO ELEITO ENCERRE ESPECIAL DIFICULDADE AO ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO DA PARTE HIPOSSUFICIENTE - NECESSIDADE - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. I - O legislador pátrio conferiu ao magistrado o poder-dever de anular, de ofício, a cláusula contratual de eleição de foro, inserida em contrato de adesão, quando esta revelar-se abusiva, vale dizer, dificulte a parte aderente em empreender sua defesa em juízo, seja a relação jurídica subjacente de consumo, ou não; II -  Levando-se em conta o caráter impositivo das leis de ordem pública, preponderante, inclusive, no âmbito das relações privadas, tem-se que, na hipótese de relação jurídica regida pela Lei consumerista, o magistrado, ao se deparar com a abusividade da cláusula contratual de eleição de foro, esta subentendida como aquela que efetivamente inviabilize ou dificulte a defesa judicial da parte hipossuficiente, deve necessariamente declará-la nula, por se tratar, nessa hipótese, de competência absoluta do Juízo em que reside o consumidor; III -  "A contrario sensu", não restando patente a abusividade da cláusula contratual que prevê o foro para as futuras e eventuais demandas entre as partes, é certo que a competência territorial (no caso, do foro do domicílio do consumidor) poderá, sim, ser derrogada pela vontade das partes, ainda que expressada em contrato de adesão (ut artigo 114, do CPC). Hipótese, em que a competência territorial assumirá, inequivocamente, a natureza relativa (regra, aliás, deste critério de competência); IV - Tem-se, assim, que os artigos 112, parágrafo único, e 114 do CPC, na verdade, encerram critério de competência de natureza híbrida (ora absoluta, quando detectada a abusividade da cláusula de eleição de foro, ora relativa, quando ausente a abusividade e, portanto, derrogável pela vontade das partes); V - O fato isoladamente considerado de que a relação entabulada entre as partes é de consumo não conduz à imediata conclusão de que a cláusula de eleição de foro inserida em contrato de adesão é abusiva, sendo necessário para tanto, nos termos propostos, perscrutar, no caso concreto, se o foro eleito pelas partes inviabiliza ou mesmo dificulta, de alguma forma, o acesso ao Poder Judiciário; VI- Recurso Especial parcialmente provido. (REsp 1089993/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2010, DJe 08/03/2010)".

Entretanto, a mera pactuação de tal cláusula de eleição de foro em contrato por adesão, onde que não se verifique a hipossuficiência ou vulnerabilidade de qualquer das partes, não pode ser caracterizada a priori como abusiva. Neste sentido, também já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. CONTRATO DE EMPREITADA NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. INAPLICABILIDADE DO DIPLOMA CONSUMERISTA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. NATUREZA PESSOAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 95 DO CPC. CONTRATO DE PORTE EXPRESSIVO. AUSÊNCIA DE INFERIORIDADE INTELECTIVA E TÉCNICA NO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO. EMPRESA EM CONCORDATA PREVENTIVA. DEBILIDADE ECONÔMICA.
DIFICULDADE DE ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO. REJEIÇÃO DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 1. Não se considera prequestionada a legislação federal analisada apenas no voto vencido. Súmula 320/STJ. 2. O CDC não encontra aplicação para os contratos de empreitada celebrados entre a CEF, na condição de operacionalizadora do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, e a empresa contratada para construir as residências que serão posteriormente objeto de contrato de arrendamento entre a mesma instituição financeira e as pessoas de baixa renda, para as quais o programa se destina. 3. O reconhecimento de que a natureza da relação jurídica da ação de indenização é pessoal afasta a alegação de ofensa ao art. 95 do CPC. 4. Não se acolhe a alegação de abusividade da cláusula de eleição de foro ao só argumento de tratar-se de contrato de adesão. 5. A cláusula que estipula eleição de foro em contrato de adesão é, em princípio, válida, desde que sejam verificadas a necessária liberdade para contratar (ausência de hipossuficiência) e a não inviabilização de acesso ao Poder Judiciário. Precedentes. 6. O porte econômico das partes quando da celebração do contrato e a natureza e o valor da avença são determinantes para a caracterização da hipossuficiência. Verificado o expressivo valor do contrato, não há que se falar em hipossuficiência. 7. Apesar de haver algumas diferenças principiológicas entre a concordata preventiva e a recuperação judicial, é certo que tanto uma quanto a outra voltam seus olhos ao empresário ou sociedade empresária que estiver em crise econômica ou financeira, desde que, por óbvio, seja viável a superação dessa situação anormal. 8. A condição de empresa em regime de concordata, por significar uma maior fragilidade econômica, dificulta o acesso à Justiça e ao exercício do direito de defesa perante o foro livremente eleito, quando esse não seja o da sede da concordatária. 9. Recurso especial não provido. (REsp 1073962/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 13/06/2012)".

A eventual estipulação de uma cláusula de eleição de foro pode repercutir em relação à competência para conhecer das ações pertinentes a um determinado contrato. Trata-se de questão de competência territorial. Sendo assim, o artigo 111 do Código de Processo Civil vigente permite que as partes, por convenção, possam modificar a competência em razão do território, elegendo foro diverso. Caso as ações não sejam ajuizadas no foro eleito contratualmente, pode-se alegar incompetência do juízo. Neste caso, como se trata de incompetência relativa, a regra do caput do art. 112 do Código de Processo Civil exige que a incompetência relativa seja invocada por meio de exceção, ou seja, o juízo não poderia conhecer da incompetência de ofício. Contudo, a regra do parágrafo único do artigo 112 do Código de Processo Civil veicula exceção a tal regra geral, justamente em matéria de cláusula de eleição de foro: "A nulidade de cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu".

Contudo, caso não haja a estipulação de cláusula de eleição de foro, o Código Civil vigente presume que o contrato foi celebrado "no lugar em que foi proposto", como se pode verificar no artigo 435. Também a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro leva em consideração o domicílio do proponente em matéria de fixação do domicílio contratual, como se pode verificar no § 2º do art. 9º da citada norma: "A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente".

Como já comentamos em sala de aula, consideramos de duvidosa procedência a tese que pugna pela aplicação de quaisquer das regras do Código Civil ou da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ao contratos eletrônicos, especialmente no que pertine ao momento da formação do vínculo. Justamente porque há omissão do legislador nesta seara, tramita no Congresso Nacional um projeto de atualização do Código de Defesa do Consumidor que pretende regular os contratos eletrônicos de consumo.

Por fim, não se pode olvidar de um outro interessante aspecto que também foi ressaltado em sala de aula, qual seja a aplicação de garantias legais próprias do ordenamento jurídico brasileiro a produtos adquiridos no exterior. Neste caso, o contrato foi celebrado e concluído no exterior, mas é possível admitir a aplicação de garantias típicas do nosso sistema aos produtos adquiridos em tais termos. Neste mister, faz-se referência a entendimento esposado no Superior Tribunal de Justiça em relação a produtos colocados à venda no mercado global por multinacionais. Poderia se falar, neste caso, nas exigências da boa-fé, deveres de proteção, expectativas legítimas, etc; a fim de fundamentar a decisão. Parece-nos que a questão central é a seguinte: certas empresas multinacionais atraem mais consumidores quando se apresentam como marcas globais, ou seja, fazem o consumidor acreditar que poderão se valer da assistência daquele fabricante em qualquer lugar do mundo onde ele tenha filiais ou representantes. Observe-se, então, uma interessante decisão do Superior Tribunal de Justiça neste diapasão:
"DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA ("PANASONIC"). ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA. I - Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País. II - O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje "bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca. III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos. IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes. V - Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos. (REsp 63.981/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11/04/2000, DJ 20/11/2000, p. 296)".

Até a próxima!